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Naquela noite, num sÃtio em Ibiúna, região fria de neblina, sentamo-nos em poltronas macias em frente à lareira. Unidos, homem e mulher, diante das chamas, no centro da vida, na proteção de uma casa distante, entre vinhedos. O fogo dançava, lambia os tijolos do forno, fazendo desenhos mágicos de estranhas salamandras estalando suas peles.
Lembrei-me de uma cena do filme Doutor Jivago, baseado no romance do escritor russo Boris Pasternak (1890-1960), detentor do Prêmio Nobel de Literatura. Conta a história de um médico aristocrata, o Doutor Jivago, interpretado por Omar Sharif, cuja trajetória remonta aos horrores da revolução na Rússia, no inÃcio do século XX. A princÃpio ele apoia o movimento, depois se desilude com o socialismo. Envolve-se com a enfermeira plebeia, Lara, a bela loira de olhos azuis, a atriz Julie Christie. Entre dramas de consciência, adversidades e perseguições, refugiam-se numa choupana coberta de neve. Soam os acordes de uma música inesquecÃvel: o Tema de Lara. Os amantes esquecem-se da guerra, do medo, do frio, entregando-se, corpos e almas, com desespero e ternura, em frente à lareira.
Se há povo de temperamento marcado pelo frio intenso é o russo. O chamado General Inverno sempre teve relevância em eventos ao longo da história da Rússia. Por cinco meses seguidos as temperaturas são baixas e o transporte difÃcil. O exército do Imperador Napoleão (1769-1821) foi fustigado pelo inverno rigoroso. Corria o ano de 1812. Rumaram em direção a Moscou. Os russos retiraram-se usando a tática de "terra queimada", arrasando plantações, aldeias, deixando para trás os inimigos, que ocuparam uma cidade deserta e em cinzas. Os ses foram obrigados a bater em retirada. Napoleão enfraquecido, humilhado, perplexo. A grande armada destroçada, caminhando sob neve pesada. O frio penetrando nas roupas esfarrapadas dos soldados exaustos. Milhares de homens congelados nas estepes luzidias como espelhos. Era o fim do sonho napoleônico.
Transporto-me para a exótica Moscou. Estou perto do Kremlin, que abriga a residência do presidente e os tesouros czaristas. Caminho pela Praça Vermelha com suas cúpulas que parecem doces ou sorvetes coloridos. Atrás de mim, a Catedral São BasÃlio. Por todo lado paredes de terracota, ruas radiais que se cruzam, torres, monastérios, palácios. A neve formou um tapete branco. As pessoas deslizam sobre patins de prata vencendo as longas distâncias entre os edifÃcios. Usam chapéus grossos e quentes de abas nas orelhas. Casacos de feltro preto cobrindo as botas de cano alto. As mulheres, de faces rosadas, escondem os cabelos com xales roxos e carmesins. Quem é aquele homem elegante, com gola de urso? É Aliôcha, saÃdo do romance Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski (1821-1881). Aliôcha, aquele que personifica o cristão, livre de pecado, cheio de amor, misericórdia e compaixão. Queria tanto falar com ele e revelar-me a mim mesma, mas ele escapa como um foguete. E aquele outro de semblante encovado e olhos injetados de sangue? É Raskolnikov, personagem do livro Crime e Castigo, também de Dostoiévski, o gigante da literatura russa. Raskolnikov está em colapso mental, com remorso por ter ousado ass alguém para defender suas torpes ideias superiores. a por mim como um raio. Em breve pagará o preço de ser descoberto e gemerá na prisão. E aquela mulher misteriosa, de saia preta e avental dourado, carregando uma valise na mão? É Anna Karenina, a adúltera descrita por Tolstói (1828-1910), desafiando princÃpios e valores, correndo em direção à estação. Deixo-a correr atrás do último trem. Estou sozinha, com os livros ardendo em meu peito, numa geada de epifanias, em plena Moscou.
Volto meu espÃrito à sala do sÃtio de Ibiúna. Faz frio. O inverno veio nos buscar. Cruzou estradas e rios. Sofrimentos e cansaços nos fizeram compreender melhor os nossos sentimentos e os daqueles que amamos, filhos e netos gerados através dos ciclos e estações. A lareira nos aquece. Sorrimos um para o outro, resignados e cordiais.
Fonte: Academia Cristã de letras